5/21/2010

O taxista fora-do-formato

Meter conversa com taxistas não é só um prazer, é uma arte e uma ciência. Ao longo dos anos, técnicas têm sido desenvolvidas para vencer o silêncio ou para não responder a um falador com um costumaz "Pois, lá terá de ser...".

Como é hábito, pedi ao homem do taxi - este um profissional da estrada, de luvas e tudo - para ir em direcção à Alameda das Linhas de Torres ( é ali para o lado do campo grande ) , para me poupar da francofonicidade do nome do bairro. Caminho suave. Nem a Rádio Amália se ouviu.
Quando chegamos, o taxista vira-se para trás e olha-me em modo redutor:

- Pois cá estamos.... Na Quinta do Lambert.

Mau. Topou-me? ele disse isto como quem cospe no prato que vai comer ( ainda não tinha pago ) e eu, apanhado de surpresa, pausei e pensei - bullet-time com todo o meu pensamento - Olha-me este cabrão, que me tá a mandar isto à cara, vais ver vou já dar-te o troco, avôzinho:
- Bom, isto dantes não se chamava assim, não era? - sim, detesto este nome que dá um ar pseudo-pseudo-pomposo cagão ( ainda há a Alta de Lisboa, ui ) ao que é apenas mais uma parte da cidade e que chamavam de Musgueira e quero dar-lhe corda.
Este senhor estava a por-me em causa a fórmula empática "Lambert=Musgueira+veja lá, os nomes que eles arranjam= taxista contente".
- ah, desde o campo grande até aqui é a Quinta do Lambert. Foda-se, disse outra vez. A formula falhou.
- Pois, tinha ideia que era outra coisa. Isto tá muito diferente. - Ainda tentei uma última vez...
- Olhe, é como as meninas, dantes usavam todas saia e agora usam calças.

Aleluia, arranquei-lhe um Taxismo.

6 comments:

  1. Esse táxista parece que não anda pelas praças há muito tempo... pelo menos, a forma como fala indica que não.

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  2. ele não era tão velho como isso, na volta lá em casa as mulheres é que usam calças há muito.

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  3. Expliquem-me lá a vossa fixação por taxis.

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  4. taxistas.
    O taxista é uma figura arquitipica de Lisboa. Como uma varina ou um aguadeiro, fazem parte da paisagem sociológica de Lisboa e são indissociáveis do seu quotidiano. Os taxistas são como neo-xamans, até certo ponto: Andar de taxi e começar a ouvir um taxista a explicar como é o mundo é um processo iniciático e, en passant, uma passagem de informação preciosamente guardada e fulcral para uma sociedade culturalmente equilibrada: concepções sexistas, homofóbicas, lendas urbanas, opiniões enviesadas sobre um qualquer assunto sobejamente conhecido academicamente e ulteriormente, putas - outro exemplo de arqueologia social é o piropo-de-trolha, que é preservado entre os elementos masculinos da sociedade - e bares, casas de.
    O taxista é também um barómetro social credível. Ele contacta diariamente com todas as classes sociais e é um aglomerador de experiências de vida. A sua visão - ainda que, sublinho, enviesada - é o mais puro e genuino reflexo da vivência da cidade, podendo apenas ser comparável à de um sacerdote, um barman, e ulteriormente, um antropólogo.
    Sendo eles próprios matéria de análise por não estarem livres de condicionamentos sociais próprios de quem necessita de conduzir um Mercedes para auferir um vencimento que é, por muitas vezes,mais um complemento orçamental que a principal ou única fonte de receita familiar, revelam toda uma variedade de tipologias profissionais, geralmente trabalho pouco especializado, braçal ou administrativo, sem reciclagem, estímulos sensoriais, cognitivos ou intelectuais.
    São também - especialmente nos profissionais mais antigos - as últimas e mais fortes testemunhas do exodo rural em Portugal, arrancados que foram das suas raízes, vindo para a capital apenas por necessidade económica. Experienciam e testemunham desta forma não só uma transformação de cariz geográfico, mas também temporal: Campo, Portugal arcaico e tradicionalista Versus Lisboa presente. Este choque cultural ainda é notado e é para muitos, o único testemunho de uma vivência extra-urbana.
    Em jeito de conclusão, Os taxistas são os tradicionais contadores de histórias, agora figuras tipicamente urbanas que, alimentando-se do seu próprio desfasamento geo-cultural, criam este modo característico de pensar que tanto me fascina.
    Respondido?
    Acho que vou fazer um post com isto.
    Ou um F.A.Q.

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  5. Meu deus! Não sabia a filosofia que poderia estar por trás dessa arte que é ser taxista... mas, sim senhora, estou rendida. Contra factos, não há argumentos.

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